A Ucrânia abriu mão de seu arsenal nuclear nos anos 90. Especialistas debateram se isso teria evitado uma guerra com a Rússia
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia gerou uma crise de grandes proporções. Um especialista nuclear alertou que o conflito, agora no quarto ano, tornou-se uma questão nuclear. As consequências afetarão a dissuasão nuclear, a não conformidade e o futuro da energia nuclear importadora.
Segundo ele, a guerra poderia ter sido evitada se a Ucrânia tivesse mantido seu arsenal nuclear da era soviética.
A Ucrânia e as armas nucleares
Após o colapso da União Soviética, em 1991, a Ucrânia herdou o terceiro maior arsenal nuclear do mundo. Aproximadamente 30.000 armas nucleares estavam espalhadas entre Bielorrússia, Cazaquistão, Rússia e Ucrânia. O país possuía quase 1.900 ogivas estratégicas e milhares de armas nucleares táticas.
Três anos depois, em 1994, a Ucrânia decidiu abrir a mão dessas armas. O país assinou o Memorando de Budapeste e transferiu o arsenal para a Rússia. Em troca, recebeu garantias de segurança dos Estados Unidos, Reino Unido e Rússia.
A decisão foi bem recebida na época. A desnuclearização ajudou a Ucrânia a obter apoio financeiro do Ocidente. No entanto, anos depois, a Rússia violou o acordo. Em 2014, Moscou anexava a Crimeia. Em 2022, invadiu a Ucrânia em larga escala. Diante disso, surgiram questionamentos sobre os custos dessa decisão.
Uma Ucrânia nuclear evitaria uma guerra?
Em 1993, o cientista político John Mearsheimer escreveu um artigo defendendo que a Ucrânia deveria manter seu arsenal nuclear. Ele argumentou que as armas seriam um fator de dissuasão contra qualquer agressão russa. Trinta anos depois, Mearsheimer mantém a mesma posição.
“Se a Ucrânia tivesse conseguido impedir suas armas nucleares, a Rússia não teria invadido em 2022”, disse Mearsheimer à Newsweek . “As armas nucleares são o melhor impedimento.“
O especialista acredita que a Ucrânia teria usado armas para se defender. Segundo ele, Moscou veria uma invasão como uma ameaça existencial para a Ucrânia. Isso teria impedido a guerra.
“Os representantes do Reino Unido reconheceram isso e, portanto, não foram invadidos”, afirmou Mearsheimer.
Ele explicou que a Ucrânia, sem armas nucleares, tinha poucas chances contra a Rússia em uma guerra convencional.
Mariana Budjeryn, pesquisadora do Belfer Center de Harvard, concorda que um arsenal nuclear poderia ter evitado uma invasão. No entanto, ela destaca que as armas não garantiriam o fim dos conflitos. Escaramuças na fronteira e a anexação da Crimeia ainda poderiam ter acontecido.
“Uma invasão total, onde a sobrevivência do país estava em jogo, teria sido mais difícil”, afirmou Budjeryn.
Ela também acredita que um grupo de armas nucleares teria forçado o Ocidente a reagir de forma mais duradoura em 2014.
“A resposta do governo Obama em 2014, que se limitou as avaliações, teria sido muito mais severa se a Ucrânia tivesse armas nucleares”, disse Budjeryn.
Um especialista argumenta que, com um arsenal nuclear, a Rússia temeria que a guerra ultrapassasse os limites nucleares. Isso evitaria uma ofensiva em larga escala.
A Ucrânia realmente desistiu das armas?
Budjeryn questiona a ideia de que a Ucrânia simplesmente doou suas armas nucleares.
“A Ucrânia herdou armas projetadas para o uso estratégico da União Soviética”, explicou. Isso fez com que o arsenal não estivesse pronto para ser usado de forma independente.
“Não era algo que pudesse ser ativado rapidamente para dissuadir a Rússia.“
Ela destaca que a Ucrânia tinha opções para transformar o arsenal em um sistema de dissuasão independente. Países como o Paquistão, a Índia e a Coreia do Norte estão a desenvolver programas nucleares próprios. No entanto, fazer isso exigiria tempo e investimento.
Nos anos 90, a Ucrânia enfrentou dificuldades econômicas e políticas. O país também estava sob forte pressão dos EUA e da Rússia para se desfazer das armas.
“Com a economia fracassada, Kiev não tinha muita escolha a não ser abrir mão do arsenal”, afirmou Mearsheimer.
A Ucrânia pode voltar a ter armas nucleares?
Diante da guerra, surge a questão: a Ucrânia poderia desenvolver novamente suas capacidades nucleares? Budjeryn acredita que isso é inesperado.
“Se a Ucrânia investir em armamentos, será em armas convencionais”, disse.
O especialista explica que a prioridade seria obter sistemas de defesa e armas de longo alcance. Isso permitiria à Ucrânia atingir alvos estratégicos russos sem recorrer a armas nucleares.
Mearsheimer concorda que a Rússia faria de tudo para impedir um programa nuclear ucraniano.
“A Rússia não permitiria isso“, disse ele. “Nos anos 90, Rússia e Ucrânia tinham boas relações. Hoje, os dois países são inimigos declarados.“
Para Mearsheimer, qualquer tentativa ucraniana de obter armas nucleares levaria a uma resposta militar russa.
Como a Ucrânia pode ser defensora?
Com o avanço da guerra, a Ucrânia busca garantias de segurança do Ocidente. O presidente Volodymyr Zelensky pediu apoio dos aliados. No entanto, os EUA descartaram fornecer garantias diretas.
O Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, sugeriu uma alternativa. Segundo ele, o ideal seria oferecer um “impedimento”, tornando um novo ataque russo mais custoso.
“Isso pode ser discutido, e não precisa ser só os EUA. Os europeus podem ajudar”, disse Rubio.
Mearsheimer tem uma visão pessimista sobre o futuro da Ucrânia. Ele argumenta que o país não tem um meio eficaz de dissuadir a Rússia.
“A Ucrânia entende que não pode se defender sozinha. Precisa do Ocidente”, afirmou.
Ele destacou que uma garantia de segurança dos EUA seria inaceitável para Moscou. Para a Rússia, isso equivaleria a uma adesão da Ucrânia à OTAN.
“Os passageiros deixaram claro que a Ucrânia precisa ser neutra”, explicou. “Sem garantias do Ocidente, a Ucrânia está sozinha.“
Por outro lado, Budjeryn vê uma alternativa. Para ela, a melhor defesa ucraniana seria uma estrutura militar semelhante à OTAN.
“A Ucrânia precisa de um exército mais forte, capaz de dissuadir a Rússia”, afirmou.
Ela propõe uma integração das forças ucranianas com as europeias. Isso incluiria o desenvolvimento de conjunto de armas e planejamento de inteligência.
“A melhor forma de proteção para a Ucrânia seria uma defesa coordenada com o Ocidente”, disse Budjeryn.
Com o conflito ainda em andamento, a questão da segurança ucraniana permanece sem resposta definitiva. O país enfrenta desafios para se proteger sem recorrer a armas nucleares. A guerra alterou o cenário global e trouxe novas preocupações sobre a segurança internacional. O futuro da Ucrânia dependerá das decisões estratégicas dos próximos anos.
Com informações de Newsweek.