O acordo entre Brasil e China que pode colocar domínio da Starlink de Elon Musk em xeque
A nova era da internet por satélite: Brasil e China firmam parceria para competir com a Starlink de Elon Musk
Às vésperas de um encontro entre os presidentes do Brasil e da China, o governo brasileiro avançou em um acordo estratégico com a China, com grandes impactos no setor de telecomunicações e tecnologia. O Ministério das Comunicações assinou, nesta terça-feira (19/11), memorandos com duas potências no setor: a SpaceSail, uma empresa privada chinesa, e a Administração Nacional de Dados da China. Essas parcerias podem mudar o cenário da internet via satélite no Brasil, tradicionalmente dominada pela gigante americana Starlink, de Elon Musk.
O objetivo central dessa nova aliança é o desenvolvimento de uma rede de internet de alta velocidade por meio de satélites de órbita baixa, também conhecida como LEO (Low Earth Orbit). A SpaceSail já está trabalhando na construção de uma infraestrutura satelital que promete alterar a dinâmica do mercado de internet no Brasil, oferecendo uma alternativa à Starlink. A Administração Nacional de Dados, por sua vez, se concentra na implementação de soluções para cidades inteligentes e na criação de um ambiente mais eficiente para o uso de dados no país.
A era do LEO: o novo modelo de internet
A principal vantagem do modelo proposto pela SpaceSail reside na tecnologia LEO. Diferente dos satélites tradicionais, que ficam a cerca de 36.000 km da Terra, os satélites LEO operam a apenas 549 km de altitude. Isso significa que o tempo de resposta para a transmissão de dados é significativamente reduzido, o que garante uma internet mais rápida e confiável. Esses satélites menores formam constelações que orbitam a Terra, criando uma rede de alta capacidade de transmissão.
Atualmente, a SpaceSail conta com 18 satélites em operação, mas seus planos são ambiciosos: até 2030, a empresa espera lançar até 15 mil satélites. Em comparação, a Starlink, da SpaceX de Elon Musk, possui cerca de 6.000 satélites em funcionamento, e já ocupa uma posição de liderança no Brasil, com 45,9% do mercado de internet via satélite, conforme dados da Anatel.
A entrada da China no mercado brasileiro
As negociações entre a SpaceSail e o governo brasileiro começaram oficialmente em agosto deste ano, quando uma comitiva da empresa chinesa se reuniu com o vice-presidente Geraldo Alckmin, entre outras autoridades. A empresa apresentou seu interesse de operar no Brasil até 2025, mas, para isso, depende da aprovação de autorizações pela Anatel, o órgão regulador de telecomunicações. Essas tarefas são essenciais para que a SpaceSail possa construir a infraestrutura necessária para fornecer sinal de internet por satélites no território brasileiro.
A ideia é que, assim como o Starlink, o SpaceSail forneça internet via satélite para pessoas e empresas em locais remotos, onde a infraestrutura terrestre de comunicações é insuficiente. Para acessar o serviço, o usuário precisará instalar uma antena em sua residência ou empresa, ou que garanta conexão com os satélites da empresa.
Porém, a Embaixada da China ainda não apresentou um posicionamento oficial sobre o início das operações da SpaceSail no Brasil, deixando algumas incertezas sobre o cronograma de lançamento do serviço no país.
A crise com Elon Musk e seus reflexos no mercado de satélites
O relacionamento entre o Brasil e Elon Musk não tem sido dos mais tranquilos nos últimos meses, especialmente após o episódio envolvendo a suspensão do X (antigo Twitter) no Brasil, em agosto. A decisão, que foi tomada pelo STF, ocorreu depois que a plataforma de Musk fechou seu escritório no país e se decidiu cumprir ordens da Corte relacionadas às investigações sobre milícias digitais. A crise se acirrou ainda mais quando, no âmbito da disputa política, Musk foi acusado de interferir nas eleições presidenciais brasileiras de 2022, declarando apoio ao então presidente Jair Bolsonaro.
Essa tensão acabou reverberando para os negócios de Musk no Brasil, inclusive sua empresa de satélites Starlink. O STF chegou a discutir a possibilidade de suspender as operações da Starlink no Brasil, o que gerou preocupações em diversos setores, incluindo o governo e as Forças Armadas, que dependem do serviço para garantir a conectividade em regiões isoladas, como a Amazônia.
O impacto dessa crise não passou despercebido, e um possível enfraquecimento da Starlink no Brasil abriu espaço para a busca por alternativas. O governo brasileiro, que já não vê com bons olhos o bilionário americano, tem se empenhado em buscar novos fornecedores de internet via satélite, o que inclui a chegada de empresas como a SpaceSail.
O mercado brasileiro de internet por satélite
A ascensão do Starlink no Brasil foi rápida e impressionante. Em janeiro de 2023, a empresa era responsável por apenas 4,7% do mercado de internet via satélite. No entanto, até julho de 2024, a empresa conquistou uma fatia impressionante de 45,9%, tornando-se líder absoluta no setor. Essa liderança não foi possível apenas pela qualidade do serviço, mas também pela capacidade de atender regiões remotas do país, como a Amazônia, onde a infraestrutura terrestre de internet é escassa ou inexistente.
A maior parte dos clientes da Starlink no Brasil são pessoas físicas e empresas situadas em áreas sem acesso à internet via cabos ou fibra ótica. Além disso, o serviço também é utilizado por entidades como a Marinha do Brasil e a Petrobras, que dependem de conectividade em plataformas offshore e em regiões distantes. A qualidade do serviço da Starlink tem sido um diferencial, mas sua dominância também levanta questões sobre a necessidade de diversificação.
O especialista em tecnologia, Thiago Ayub, diretor da Sage Networks, defende que a entrada de novos concorrentes no mercado de internet via satélite é positiva para o Brasil. “Ter múltiplos fornecedores são sempre bons para o mercado, pois isso estimula a competição e pode resultar em serviços para os consumidores. No caso da internet via satélite, é melhor essencial que o Brasil tenha alternativas, considerando a importância estratégica desse serviço”, disse Ayub.
O papel da China na expansão global de internet via satélite
Do ponto de vista da China, expandir seus negócios no setor de internet via satélite faz parte de uma estratégia mais ampla de se tornar um líder global em infraestrutura digital. Em 2020, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma da China incluiu a construção de uma rede de satélites como uma das prioridades para o curto e médio prazos. A capacidade de conectar o mundo inteiro, especialmente em regiões onde a infraestrutura de telecomunicações é fraca ou inexistente, é vista como uma grande oportunidade de crescimento para o país.
Com a SpaceSail, a China visa ganhar terreno em mercados emergentes, como o Brasil, onde a demanda por internet de alta velocidade em áreas remotas é crescente. Essa nova parceria pode ajudar o Brasil a diversificar suas fontes de fornecimento de internet, levando a dependência de empresas estrangeiras como a Starlink, ao mesmo tempo em que fortalece os laços econômicos com um dos principais aliados comerciais do país.
O futuro da internet no Brasil
Com a chegada da SpaceSail e a diversificação do mercado de internet via satélite no Brasil, é possível que os consumidores e empresas brasileiras, especialmente nas regiões mais remotas, se beneficiem de melhores opções de conectividade. A entrada da China no setor também pode trazer novos investimentos, tecnologias e parcerias, fortalecendo ainda mais a infraestrutura digital do país.
No entanto, o caminho ainda não é completamente claro. O governo brasileiro e as autoridades de telecomunicações ainda precisam resolver diversas questões regulatórias e técnicas antes que o serviço da SpaceSail esteja disponível para a população. Além disso, a situação política envolvida Musk e a Starlink continuarão a influenciar as decisões sobre o futuro das operadoras de internet via satélite no Brasil.
O Brasil está, sem dúvida, em uma encruzilhada no que diz respeito à sua conectividade digital, e as escolhas feitas agora podem definir o futuro da internet no país nos próximos anos. O cenário é mais competitivo do que nunca, e quem sair por cima dessa disputa poderá conquistar a confiança do consumidor brasileiro e moldar a nova era da conectividade digital.