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Espionagem, pressão e diplomacia: como a China tenta ‘afastar’ o Paraguai de Taiwan

Espionagem, pressão e diplomacia: como a China tenta ‘afastar’ o Paraguai de Taiwan

O Paraguai resiste à pressão da China e mantém laços históricos com Taiwan, enfrenta espionagem, ataques cibernéticos e dilemas diplomáticos

A influência crescente da China na América do Sul vem gerando propostas políticas, econômicas e diplomáticas, mas o Paraguai permanece como um caso único na região, mantendo suas relações históricas com Taiwan.

Essa aliança, que desafia diretamente o princípio de “uma só China” promovida por Pequim, tem enfrentado uma série de investidas do regime chinês, incluindo espionagem, ameaças digitais e pressões diretas sobre a política interna paraguaia.

A aliança entre Paraguai e Taiwan

Desde 1957, o Paraguai registra diplomaticamente Taiwan, mantendo uma relação que resiste ao isolamento da ilha por grande parte da comunidade internacional.

Essa parceria enfrenta constantes ataques da China, que exige que os países rompam laços com Taiwan como condição para estabelecer relações diplomáticas com Pequim.

Em dezembro, o diplomata chinês Xu Wei gerou polêmica ao visitar o Congresso paraguaio e afirmou que Assunção deveria escolher entre a China e Taiwan.

Segundo Xu, a coexistência diplomática entre as duas nações não seria viável. “Neste caso não é uma opção ‘com a China e Taiwan’. Não. É: ‘ou com a China ou com Taiwan’”, declarou, recomendando uma decisão rápida.

A declaração foi criticada por políticos paraguaios e comprovada na expulsão de Xu do país. O governo paraguaio cancelou sua visto, acusando-o de interferir nos assuntos internos do Paraguai.

A embaixada de Taiwan, por sua vez, emitiu nota reafirmando que “a República da China [nome oficial de Taiwan] é um país independente e soberano”.

Espionagem e ataques cibernéticos

As perguntas não se limitaram ao campo diplomático. Em outubro, um incidente envolvendo um veículo da Huawei próximo à residência do embaixador taiwanês em Assunção manifestou suspeitas de espionagem.

Testemunhas disseram que um homem no interior do carro utilizava aparelhos eletrônicos direcionados ao edifício, indicando uma possível interceptação de dados. Apesar da denúncia às autoridades locais, o caso permanece sem solução.

Paralelamente, hackers chineses ligados ao grupo Flax Typhoon invadiram sistemas do governo paraguaio em novembro, focando em informações diplomáticas sensíveis.

Esses ataques cibernéticos refletem uma estratégia mais ampla de Pequim, que utiliza a espionagem digital para enfraquecer aliados de Taiwan. Os relatórios da Microsoft indicam que o mesmo grupo tem ações semelhantes contra organizações taiwanesas, ampliando a pressão sobre a ilha e seus parceiros.

Compromisso Paraguai com Taiwan

Apesar das investidas chinesas, o Paraguai reafirmou seu apoio incondicional a Taiwan. O chanceler Rubén Darío Ramírez Lezcano visitou a ilha em novembro e reforçou que o país não aceitará pressão para romper a aliança histórica.

“O Paraguai está aberto a estabelecer relações com a China, mas sem condições. Continuamos comprometidos com Taiwan”, declarou Ramírez a veículos internacionais.

O presidente Santiago Peña também se posicionou firmemente ao lado de Taiwan. Em maio de 2024, Peña se reuniu com o presidente taiwanês, Lai Ching-te, destacando a importância estratégica da parceria.

Essa postura contrasta com decisões recentes de países como Honduras, que cortaram relações com Taipé para se aproximar de Pequim.

Debate interno sobre política externa

A pressão chinesa também intensificou os debates no Congresso paraguaio. Os parlamentares divergem sobre o futuro das relações diplomáticas do país.

Enquanto alguns defendem a manutenção dos laços com Taiwan, outros argumentam que o fortalecimento dos vínculos com a China traria benefícios econômicos significativos.

O deputado Walter García, do movimento Yo Creo, é um dos que defendem uma aproximação com Pequim.

Ele destaca que o Paraguai perde milhões de dólares anualmente pela falta de acesso ao mercado chinês, especialmente no setor de exportação de carne bovina.

“Estamos perdendo mais de US$ 500 milhões por ano. Precisamos nos abrir para que a China se quisermos transformar o Paraguai em uma potência na produção de alimentos”, afirmou em discurso no Congresso.

Em contrapartida, o presidente do Senado, Basilio Núñez, reforçou a importância de preservar a aliança com Taiwan.

Núñez, que visitou a ilha em novembro, afirmou que o Paraguai é um “amigo fiel” de Taipé e continuará defendendo essa parceria estratégica, essencial para o desenvolvimento político e econômico do país.

Contexto geopolítico e pressão regional

A postura agressiva de Pequim faz parte de uma estratégia mais ampla para consolidar sua influência na América Latina.

Utilizando investimentos, acordos comerciais e pressão diplomática, a China busca isolar Taiwan e fortalecer sua reivindicação territorial sobre a ilha, vista como uma “província rebelde”.

Esse movimento já levou países como Brasil, Argentina e Chile a fortalecerem seus laços com Pequim, deixando o Paraguai em uma posição cada vez mais isolada.

Para a analista internacional Julieta Heduvan, especialista em relações latino-americanas, o caso paraguaio é um reflexo do conflito crescente entre China e Taiwan.

“A pressão direta da China sobre o Paraguai é incomum e está diretamente ligada à intensificação do conflito em torno de Taiwan”, explicou em entrevista ao portal Simalco.

Enquanto a maioria dos países sul-americanos cede à influência chinesa, o Paraguai permanece como um ponto fora da curva, resistindo às investidas de Pequim e reafirmando seu compromisso com Taiwan.

Essa resistência, no entanto, coloca o país em uma posição delicada, navegando entre as promessas econômicas chinesas e a aliança histórica com a ilha democrática.